O mito e a mística do falante nativo
O currículo bilíngue tem sido cada vez mais notabilizado dentro do cenário da educação brasileira. Essa demanda se intensifica no Brasil a partir da busca por uma educação que visa a sociedade multilíngue e multicultural do século XXI.
Frente a esse panorama atual, García (2007) reitera a relação do perfil dos estudantes no cenário mundial e a importância da implementação dos programas bilíngues nas escolas.
Dentro desse contexto, é evidente a importância de transpor o ensino de inglês para um currículo bilíngue interdisciplinar, tendo como base central o repertório diversificado multilíngue e plurilíngue dos estudantes e docentes.
Leia o texto enviado por Antonieta Megale, mestre e doutora em Linguística aplicada, para o evento YourAccess to the Future.
O mito e a mística do falante nativo – A quem serve essa discussão
Os estudos sobre ensino de línguas adicionais, sobretudo nas últimas duas décadas, avançaram na compreensão de língua como prática social. Desse modo, fogem de conceitos relacionados a línguas e culturas nativas. No entanto, persiste ainda o mito de que o professor nativo seria o melhor professor para o ensino da língua, em muitos casos, independentemente de sua formação acadêmica ou experiência como docente. Mas como surgiu essa ideia de que falantes nativos são mais bem preparados para o ensino da língua adicional?
A desconstrução da ideia de “donos da língua”
A ideia de que existam “donos da língua” origina-se junto às construções de nacionalismo, estado-nação e língua-nação já desconstruídas por diversos autores. Anderson (1989), a fim de compreender todo o imaginário ligado à nação, analisa a mágica do nacionalismo; a partir dos sistemas culturais amplos que o precedem e o constituem.
Anos depois, Bhabha (1995) foi mais longe na análise dos imaginários nacionalistas e os discutiu a partir das teorias tropológicas, ou seja, as próprias nações são narrativas e o imaginário nacional nasceu do poder de narrar, articular ou impedir que outras narrativas fossem formadas. Nesse processo, a consolidação das línguas vernáculas foi um fator determinante na formação dos nacionalismos modernos. A constituição da nação implicou na existência de uma língua própria, o que fez, por exemplo, com que as variantes dentro de uma mesma língua fossem homogeneizadas. Essa homogeneização possibilitou “o surgimento de uma nova consciência, a de pertencer a um grupo caracterizado pelo mesmo campo linguístico, que, por sua vez, determina uma fronteira de exclusão” (Blank, 2008, p. 3).
Já no século XX, o império britânico atingiu seu apogeu e a Inglaterra se consolidou como um estado colonialista. Nesse mesmo período, no entanto, devido às consequências da Segunda Guerra e ao processo de independência das colônias, o império inglês conheceu seu declínio e cedeu lugar aos Estados Unidos da América, que se tornou líder do bloco ocidental. De acordo com Siqueira (2008), a partir de então, os Estados Unidos concentraram grande poder econômico, político, militar e cultural. Em 1989, se transformaram, com a queda do muro de Berlim, em uma “superpotência hegemônica, encontrando no inglês campo fértil para sua expansão global” (Siqueira, 2008, p. 55).
O mito do falante nativo no Brasil
Para analisarmos as especificidades do mito do falante nativo no Brasil, uma vez que sabemos que isso não ocorre somente por aqui, é importante entendermos a configuração do mundo na atualidade. O mundo foi adquirindo, portanto, a partir da hegemonia dos EUA, seu desenho atual, que a partir de Santos (2009), se organiza em dois polos: o Norte e o Sul Global. O autor explica que essa concepção de Sul se sobrepõe em parte ao Sul geográfico. Esses países do Sul foram submetidos ao colonialismo europeu e, com exceção da Austrália e da Nova Zelândia, não atingiram níveis de desenvolvimento econômico semelhantes aos do Norte Global, constituído pela Europa e América do Norte.
Países do Sul Global, muito embora não tenham mais o status legal de colônia, ainda estão submetidos ao regime da colonialidade, que para além de todas as dominações, exerce também uma dominação no campo epistemológico, ou seja, todas as práticas sociais de conhecimento e seus agentes que contrariam a “missão colonizadora” (Santos, 1998, p. 208) são desacreditados.
Vivemos, portanto, sob o regime colonial que valoriza e legitima o Norte Global e, consequentemente, seus cidadãos como detentores do conhecimento. Desse modo, as práticas de linguagem atreladas aos construtos de falante nativo e inglês padrão desconsideram e apagam “outros usos e outras práticas que não aquelas percebidas como características dos países centrais que seriam os ‘donos da língua’” (Jordão et al., 2020, p. 41).
Relações de poder que geram discriminação e marginalização
Nessa perspectiva, excluímos cidadãos, em nosso caso, professoras e professores, a partir das relações de poder que geram discriminação e marginalização e os rotulamos como não nativos. O termo falante nativo é, portanto, sustentado como ícone de poder, prestígio e modelo a ser seguido. Parece não importar, desse modo, se o falante nativo se dedicou ou não ao estudo da língua e das didáticas voltadas para seu ensino. Nessa perspectiva, o local de nascimento do professor parece funcionar como um certificado que atesta seu preparo para o ensino da língua.
Por meio dessa herança colonial, fragilizamos nossos educadores, os colocando em um lugar sempre desfavorável a partir de uma classificação que leva em conta apenas e simplesmente o local de nascimento desses sujeitos e não os conhecimentos apreendidos ao longo da vida acadêmica e da experiência profissional. Encampamos também pedagogias que não se comprometem com o desenvolvimento da criticidade dos estudantes frente aos desafios e especificidades de cada contexto.
Outro ponto importante a ser ressaltado é que o inglês é utilizado como língua de interação em cerca de 70 países (Eberhard et al., 2020). No entanto, normalmente, na escola, privilegiamos o inglês dos países hegemônicos, como Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Desse modo, é relevante também salientar que não basta ser nativo, é preciso ser nativo oriundo de um país do Norte Global, ou seja, não há interesse, por exemplo, em um nativo nigeriano ou jamaicano. Isso nos permite constatar que a questão central não é simplesmente a de ser nativo, mas principalmente a de ser nativo de um país hegemônico.
A diversidade como um valor linguístico
Além disso, não é novidade alguma que haja um número significativamente maior de falantes não nativos do que de falantes nativos de língua inglesa.
Consequentemente, os encontros, nos quais nossos estudantes vão fazer uso do inglês, envolverá sujeitos provenientes de diversas localidades com histórias e trajetórias de vida que marcam seus modos de falar tanto em relação ao sotaque quanto às suas escolhas linguísticas.
Diante desse cenário, a Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2018) defende o ensino de inglês como língua franca. De acordo com Seidlhofer (2011, p. 7), o inglês como língua franca pode ser entendido como “qualquer uso do inglês entre falantes de diferentes línguas maternas para quem ele é o meio de comunicação escolhido, e frequentemente, a única opção”.
Assim, depreendemos que é essencial para a formação linguística de nossos estudantes que nos debrucemos também a ouvir e interagir com diversos sotaques e modos de falar para que estejam preparados para se relacionar com diversos falantes que têm o inglês como língua franca.
Na atualidade, os estudantes precisam aprender inglês como uma língua adicional de comunicação internacional ampla. Por conta dessa mudança na natureza do uso do inglês, é hora de reconhecer o contexto multilíngue de seu uso, “para deixar de lado a pesquisa e a pedagogia do modelo do falante nativo” (McKay, 2003, p. 19).
Facilitar a participação em programas culturais e de ensino
Aqui na YourAccess estamos sempre em dia com o calendário de eventos nacionais e internacionais de renomadas instituições globais, facilitando a participação dos estudantes em diversos programas culturais e de ensino.
O evento educacional YourAccess to the Future: CHANGEMAKER, que aconteceu entre os meses de junho e outubro, contou com a parceria de grandes instituições internacionais e têm sido um sucesso, tendo atraído a participação de mais de 60 escolas, 200 equipes e mais de 600 alunos.
Ao longo da experiência, temas complexos foram abordados de uma forma divertida, enquanto muito conteúdo importante foi transmitido durante os quase três meses de evento.
Desde workshops e cursos em inglês, até um game multiplayer desenvolvido no Japão, em parceria com a The Global Goals, viabilizado pela primeira vez no Brasil pela YourAccess, com o objetivo de gerar reflexões sobre os 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU e nossa missão enquanto cidadãos globais.
O evento foi um sucesso e as inscrições para a edição de 2023 abrem esta semana. Acompanhe as atualizações, e tenha acesso a mais conteúdos sobre educação bilíngue e o uso da tecnologia na aprendizagem, através das nossas mídias sociais e blog: